Ramom Muntxaraz Muntxaraz [Gálvez-Toledo 1947 - Compostela 2008]
Resulta impossível resumir em palavras o que significa a vida de umha pessoa para aquelas que a amárom, para as que com ela partilhárom luitas, sonhos e combates ou, incluso, para a história dum povo. Esta tarefa torna-se ainda mais complexa se o objecto a sintetizar é a peripécia vital dum ser tam rico e multifacético como Ramom Muntxaraz, poliédrico em dedicaçons e interesses, irredutível aos rótulos simplificadores e tam difícil de abranger nessa humilde imensidade que o caracterizava.
Contodo, faremos o esforço de síntese e diremos que Ramom foi um home que se fijo galego por própria vontade e decisom, que se identificou com este País e amou e luitou pola Galiza com firmeza e paixom; diremos também que foi um namorado da classe trabalhadora, particularmente, da classe trabalhadora galega, à que tributou boa parte da sua vida, reflexons e esforços e diremos, finalmente, que como bom comunista odiou toda injustiça, toda marginalizaçom e toda opressom, identificou-se vitalmente com @s que as padeciam e utilizou o seu labor profissional como martelo e alavanca para combatê-las.
Os começos do rebelde
Aquele menino espigado que com o tempo seria conhecido, respeitado e querido por centenas de militantes galeg@s como Muntxaraz, Moncho ou O Muntxa, chegava ao mundo no outono de 1947 na vila de Gálvez, situada numha chaira da provincia espanhola de Toledo. Ali o seu pai, médico de pueblo, estivo destinado umha temporada tam breve que o próprio Muntxa nom guardava lembranças da etapa. Posteriormente, Ramón Muncharaz pai deslocaria-se para Las Rozas (Madrid) a exercer a profissom e ali trabalharia praticamente o resto da sua vida, como testemunha a existência dumha rua que naquela localidade espanhola leva o seu nome.
Muntxaraz cria-se com os seus avós em La Puebla de Moltanbán (Toledo) e a este lugar físico se liga a sua infáncia e a primeira adolescência, actualmente reflectidas nos contos auto-biográficos escritos para a sua filha Maruxa. Seguindo a tradiçom familiar, estuda Medicina em Salamanca. Nesta etapa universitária, na fase terminal do regime franquista e sob umha dura repressom, Muntxaraz dá as primeiras mostras da que seria a sua constante vital mais notória: o compromisso militante e a radicalidade propositiva.
Em 1974-1975, incorpora-se ao serviço militar onde passa consulta como psiquiatra. Esta etapa, em que se mistura o contacto com o sofrimento humano e a intensa agitaçom política e social que se vive no Estado, marcará provavelmente a sua evoluçom profissional ao longo da vida e determinará umha outra das suas constantes vitais: a defesa intransigente d@s doentes frente às imposiçons das instituiçons sanitárias. Umha constante que fará com que, ao longo da sua vida laboral, sacrifique sempre a comodidade profissional e a estabilidade económica em defesa dos seus princípios.
Em 1977 viaja à Itália onde toma contacto com o movimento anti-psiquiátrico, empapa-se dos seus planejamentos e centra a atençom nos aspectos sociais e económicos que envolvem os puramente clínicos na relaçom médico doente. De volta ao Estado, trabalha no Hospital de La Paz (Madrid) entre 1978 e 1980. Posteriormente, no hospital psiquiátrico Alonso Vega, donde é despedido por apoiar umha greve de doentes que reivindicam melhoras sanitárias. Este será outra constante da vida do Muntxa: o rechaço ao corporativismo profissional, a posiçom sempre à beira dos doentes assumindo as suas reivindicaçons e, como consequência, umha sucessom de despedimentos e transferências de centro de trabalho só compreensíveis à luz desta postura pessoal e política.
Chega à Galiza
Em 1980 aquele jovem contestatário de complexom forte, formaçom marxista e olhada incisiva, inimigo radical dos privilégios e disposto a fazer da sanidade mais umha frente da luita política e social, chega à Galiza para trabalhar no Hospital de Conjo. O centro sanitário vive umha intensa conflitividade laboral à que Muntxa se incorpora desde o primeiro momento como parte activa. Toma contacto com a identidade nacional galega e, desde o primeiro momento, desenvolve os esforços necessários para assimilar-se e integrar-se no povo que o acolhe e com o tempo quererá como um dos melhores dos seus. Filia-se ao sindicalismo nacionalista na ING.
Com discontinuidades, a etapa de Conjo remata em 1988. Neste centro é expedientado e despedido após umhas declaraçons críticas sobre Psiquiatria Assistencial num programa de TVE. A empresa assegurará que Muntxa comete "infracción del deber de lealtad hacia la Empresa, transgresión de la buena fe contractual y abuso de confianza", eufemismos que ocultam o rechaço à sua posiçom e à sua simultánea militáncia política e sindical. Mobilizaçons e pintagens de denúncia encherám Compostela denunciando o seu despedimento.
O combate profissional do Moncho simultaneará-se com um permanente combate político e sindical nacionalista, principal centro das suas preocupaçons. Contava-nos nos últimos tempos que, nos primeiros tempos de Conjo, dirigentes de CCOO lhe recomendaram a filiaçom à ING porque "tu precisas algo mais do que CCOO". Assim as cousas, Muntxa fai-se galego por própria vontade, abraça para sempre este povo e a causa nacionalista e incorpora-se à UPG e à ING, sindicato nacionalista no que jogará um papel destacado.
Luita independentistas e militáncia contra a repressom
Muntxaraz milita na UPG até o V Congresso em 1986. É nesta data quando, à vista da deriva institucionalista e autonomista que adopta definitivamente este partido, abandona-o e participa com centenas de militantes na constituiçom do Partido Comunista de Liberación Nacional (PCLN), organizaçom comunista e independentista. De pano de fundo desta decisom, a posiçom revolucionária e marcadamente classista que sempre mantivo, a sua absoluta liberdade de critério e o rechaço às estratégias de acomodamento, tanto ao sistema quanto às hierarquias partidárias.
Em 1988 participa na criaçom da Frente Popular Galega, umha organizaçom frentista resultante dos esforços do PCLN e Galiza Ceive (OLN). As diferentes posiçons existentes no interior da FPG ante o desenvolvimento do accionar armado do Exército Guerrilheiro do Povo Galego Ceive (EGPGC) farám com que se produza a cissom da que nasce a Assembleia do Povo Unido (APU). Novamente, Muntxa fai parte dos cindid@s e será membro fundador da APU em 1989. O seu filho Iñaki, ainda cativo, exprimindo inconscientemente a coerência do pai espeta-lhe um bom dia "Papá: mudas muito de partido, mas sempre levas a mesma bandeira".
Som tempos esperançados mas duros para o independentismo. Com é lei, o desenvolvimento da luita traz aparelhada a intensificaçom da repressom e dezenas de militantes som detid@s, torturad@s e encarcerad@s. Moncho está desde o primeiro momento à beira dos que conhecem em primeira pessoa a tortura, a dispersom e o cárcere; participa na constituiçom de Comités Anti-repressivos vinculados a detençons de pessoas concreta e, posteriormente, nas Juntas Galegas pola Amnistia (JUGA) nas que joga um destacado papel. Aliás, será o promotor essencial para a constituiçom do colectivo Sanitários pola Amnistia e contra a Tortura (SAT).
Fruto desta síntese inusual entre militante revolucionário e profissional da Medicina, Ramom Muntxaraz percorrerá dúzias de vezes a geografia do Estado para visitar os presos e presas independentistas nos cárceres da dispersom e oferecer as suas atençons médicas. Mostra desta implicaçom no trabalho anti-repressivo é o amplíssimo arquivo pessoal que construiu sobre esta matéria e do que fam parte trabalhos médicos, publicaçons, definiçons de estratégias, etc. Umha constante que manterá até marchar de entre nós e que o levou a implicar-se nos labores de solidariedade com os actuais presos independentistas galegos.
"Reorganizar o movimento"
Preocupaçom permanente do monstro intelectual que foi Ramom Muntxaraz, sempre dedicado à reflexom sobre as mais diversas esferas do saber e da acçom política, foi reorganizar o independentismo galego. Recordemos que em 1995 a APU que contribui para fundar acorda auto-dissolver-se. O Muntxa, que sempre vincou na necessidade de organizaçom e disciplina reage ao facto de o movimento ficar orfao de referente político e, sendo motor fundamental do processo, impulsiona a constituiçom do Comité Independentista Galego Provisório (CGIP) que fai pública a sua Declaraçom Política e Ideológica em Outubro de 1995 e age até finais de 1996, dando passagem ao Grupo Organizativo de Base e o Foro Independentista. Durante 1996 e 1997, Muntxaraz desprega umha intensa actividade dirigindo-se à AMI, às JUGA, às MNG e a dezenas de independentistas nom organizados ou militando em outras estruturas para "reorganizar o movimento".
O seu esforço nom alcança finalmente a concreçom organizativa, mas sim estende a percepçom de que o MLNG deve dotar-se de estrutura política referencial. Muito crítico das vanguardas por decreto, do absentismo sindical e dos processos de construçom política sem cimentaçom de base, distancia-se do Processo Espiral e mantém a sua militáncia independentista colaborando com multidom de organizaçons, associaçons e colectivos e desenvolvendo o trabalho sindical que tam essencial considera.
Informaçom Obreira
Da vocaçom do Moncho para vincular reflexom e análise com militáncia e luita política, assim como da sua profunda preocupaçom por impulsionar a participaçom da classe trabalhadora no MLNG, dá mostra a publicaçom de Informaçom Obreira. IO sai à luz em Março de 1994 como iniciativa dum grupo de independentistas e continua até 1999, publicando 25 números correntes e 2 especiais. Esta colecçom que é fruto dum intenso trabalho teórico e analítico é fundamental para o estudo do sindicalismo e do nacionalismo galego contemporáneos. Informaçom Obreira é memória histórica em estado puro nom apenas como olhada ao passado, senom procurando nele liçons para o futuro.
Psiquiatria e compromisso
O percurso profissional do Muntxa, que nesta síntese separamos gratuitamente do político e militante por razons de claridade expositiva, dá-nos a evidência mais clara da sua atitude vital. Recorre o despedimento de Conjo chegando ao TC. Ganha o conflito. A sentença senta jurisprudência. Enquanto os tribunais resolvem, o nosso home, do que nesse momento depende umha família, fai substituiçons de dias ou meses na Crunha. Em 1986 pom a andar em Lugo a primeira Unidade de Saúde Mental (USM) da provincia e organiza a Uniom de Trabalhadoras/es da Sanidade de Galiza (UTSG) nessa cidade. Readmitido em Conjo, é submetido a acossa laboral sistemática pola direcçom do hospital e abandona o centro em Maio de 1988.
Trabalha na Unidade de Psicóticos Jovens do Hospital Psiquiátrico do Rebulhom (1991-1995) onde continua sindicalmente activo e cria a Comunidade Terapéutica 6 de Maio. A UPJ é mostra da sua estratégia terapêutica: funciona assemblearmente e por consenso, doentes e equipa sanitária reunem-se a diário para debaterem e tomarem decisons, a equipa médica reune-se cada mês com as famílias para analisar a evoluçom dos doentes, etc. A revista Maxi editada nesta etapa será o ponto de encontro entre doentes e sociedade. É também neste período que, como resultado do sectarismo que impera em parte da direcçom sindical nacionalista, é expulso da CIG junto a outr@s militantes independentistas vinculad@s à APU. Serám readmitid@s anos mais tarde.
Moncho trata de estender a nível nacional a experiência de Rebulhom. Em 1992 reune doentes de várias comarcas do País, trabalhadores/as de Saúde Mental e pessoas preocupadas com esta situaçom. Nasce a Associaçom Gaiola, presidida polo histórico nacionalista Antón Moreda, que desde meados de 60 está internado no psiquiátrico de Castro de Ribeiras de Lea. Esta associaçom edita a revista Gaiola Aberta, organiza palestras e combate a invisibilizaçom da marginalidade social d@s doentes.
Trás deixar o Rebulhom, Muntxa está longo tempo subempregrado. Finalmente, contrata-o a Associaçom de Familiares de Doentes Mentais de Redondela Lenda, complementando os limitados ingressos que recebe por esta via com os derivados de fazer guardas no hospital de Toém. Semanalmente, percorre milhares de quilómetros para deslocar-se entre Bertamiráns, Toém e Redondela e cumprir os seus compromissos com @s independentistas dispersad@s pola geografia carcerária do Estado.
Em 2001 atende a consulta de Psiquiatria na USM do hospital comarcal do Barco de Val d´Eorras. Ali fai trabalho sindical enquadrado na CIG e funda também a associaçom Aluvión, que edita a revista do mesmo nome. A falta de tempo desde a sua marcha do Rebulhom impede a saída de Gaiola Aberta, mas os seus colaboradores continuam a se exprimirem em A voz de Lenda (Redondela) e em Aluvión, mas em Outubro de 2005 renasce a Associaçom Gaiola com novos pulos. "Actualmente Aluvión, A voz de Lenda e Gaiola Aberta som as únicas revistas galegas feitas por doentes como experiência de reabilitaçom de saúde mental, programadas, desenhadas e escritas, integramente em idioma galego...". Ramom, autor do editorial, continua a falar da importáncia deste monolinguismo galego das três revistas.
Em 2005, depois de aprovar a primeira oposiçom à que tivo oportunidade de se apresentar, regressa a Conjo. Os psiquiatras oficiais nom gostam da sua volta. Felizmente para todos, terá que viajar à Póvoa do Caraminhal. Os demais nom se queriam molestar, el preferia nom ter uns olhos de capataz nas suas costas, primeiro foi dous dias por semana, depois três ... aginha se fijo amigo daqueles marinheiros capazes de colherem a sua dorna e irem procurar umhas pescadas para aquele médico tam particular que lhes falava em galego e lhes dizia: "A crise ... que a pague o capital!". Muntxaraz podia também viver toda a semana com os seus e nom tinha que jogar a vida por todas as estradas da Galiza.
Muntxaraz, um home galego
Assinalávamos ao princípio a dificuldade de sintetizar em palavras o significado da vida dum ser humano e como esta fim se fai mais complexa quando, como ocorre neste caso, esse ser tem as dimensons e a qualidade humana do Muntxa. A síntese que apresentamos como homenagem ao militante, ao irmao, o home galego, que foi Muntxaraz, nom pode esquivar umha alusom à sua enorme humanidade e humildade, ao amor profundo e exemplar que professou por esta velha naçom e à luita pola sua libertaçom nacional e social, à sua singeleza, ao ódio que nele suscitava a injustiça, à sua extraordinária capacidade para captar a essência das pessoas...
Presente até que lhe foi possível nas mobilizaçons importantes do País e sempre ávido de saber o que se passava nas que já nom podia estar, Muntxaraz abandonou-nos como sempre quijo, com orgulho militante, com determinaçom e valor, animando-nos a "nom perder o tempo" visitando-o se isso presupunha relegar tarefas militantes e, como se diz vulgarmente, "com as botas postas".
Na lembrança, com agarimo e com intençom de fazer do seu compromisso um modelo e estandarte, vaia esta pequena homenagem do seu povo ao companheiro e irmao que deixa em nós um vazio irreparável.
Nota.- Texto tirado do tríptico editado com motivo da homenagem a Ramom Muntxaraz que tivo lugar o 17 de Janeiro de 2009 no Auditório de Galiza, em Compostela.
Enlaces
- Comunicaçom de Ceivar ante o falecimento no passado domingo do nosso irmao Ramom Muntxaraz Muntxaraz
- Lembrança dum patriota
- Artículo de Ramom Mutxaraz: Psiquiatría: da reforma do PSOE ao psico-decretazo do PP
- Artículo de Ramom Mutxaraz: “Avançados métodos" de reabilitaçom e reinserçom em instituiçons penitenciárias
- Entrevista a Ramom Muntxaraz: “A nosa sociedade actual propicia a aparición dos trastornos psíquicos”
- História da associaçom Gaiola
- Conversas com Ramom Muntxaraz; o abraço da chuva
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